Mulheres deveriam viajar sozinhas pelo menos uma vez na vida
domingo, março 06, 2016Recentemente, duas turistas argentinas que faziam um mochilão pela América Latina foram mortas por dois homens, no Equador.
Além do assombro com a violência envolvida – as meninas foram mortas a pauladas e jogadas na praia em sacos de lixo – parte da reação ao crime na imprensa questionava o fato delas estarem “viajando sozinhas”, o que faziam no local (que é um balneário conhecido pelas farras juvenis), por que estavam com dois homens desconhecidos. Veja bem, não faz diferença que fossem DUAS mulheres juntas. Na equação machista, não importa quantas mulheres estivessem ali – se não há um homem para cuidá-las, elas estarão sempre sozinhas. A notícia e sua repercussão gerou um grande debate sobre assédio e violência contra a mulher na imprensa latinoamericana.
Guadalupe Acosta, uma estudante de comunicação do Paraguai, escreveu uma carta que viralizou na internet e que foi traduzida para o português pelo El Pais.
"E só morta entendi que para o mundo eu não sou igual um homem. Que morrer foi minha culpa, que sempre vai ser. Enquanto que se o título dissesse “foram mortos dois jovens viajantes” as pessoas estariam oferecendo suas condolências e, com seu falso e hipócrita discurso de falsa moral, pediriam pena maior para os assassinos.
Mas, por ser mulher, é minimizado. Torna-se menos grave porque, claro, eu procurei. Fazendo o que queria, encontrei o que merecia por não ser submissa, por não querer ficar em casa, por investir meu próprio dinheiro em meus sonhos. Por isso e por muito mais, me condenaram."
No Brasil, o debate sobre o crime também repercutiu e gerou reflexão sobre como nossa cultura machista também se reflete na forma como as mulheres viajam e se divertem.
E aí eu lembrei de um texto que eu tinha escrito pro blog e ainda não tinha publicado, que falava justamente sobre o poder transformador de uma viagem sozinha para as mulheres. De como pode ser maravilhoso perceber que somos absolutamente capazes de viajar sozinhas, e de como pode ser bom estar em nossa própria companhia. E eu acho que uma tragédia como a das mochileiras argentinas, além de nos deixar mais amedrontadas e fechadas em nosso próprio mundo, bairro, país, estado, deveriam nos fazer viajar ainda mais. Ocupar mais os espaços, qualquer um que queiramos. Cuidando da nossa segurança, alertas, atentas – claro! – mas sem concessões. O mundo é nosso também, meninas.
Então eu organizei toda a viagem sozinha: comprei bilhetes de avião, fui atrás de hospedagem, pesquisei sobre os países. Lembro que era um planejamento bem complicado: foi bastante tempo viajando de uma vez só, coordenando com amigos em alguns países, viajando em companhias aéreas low cost (que, em geral, nunca te deixam no aeroporto da cidade). Enfim. Consegui organizar e fui.
No começo, a sensação da primeira vez em que sentei num bar sozinha, em outro país, por minha própria conta, foi ao mesmo tempo estranha e libertadora. Você fica constrangida achando que as pessoas estão percebendo que você é uma mulher sozinha (por que raios é tão difícil, né?) e, ao mesmo tempo, você sente que é isso mesmo: uma mulher sozinha, tomando um drink num bar de um país estrangeiro que provavelmente você não fala o idioma. E isso te dá uma autoconfiança incrível.
Pela primeira vez na vida, você pode fazer escolhas de viagem absolutamente pessoais. Não precisa fazer nenhuma concessão, não precisa conciliar interesses. Você pode mudar à vontade os planos. Você pode, inclusive, nem ter planos.
Você se surpreende consigo mesmo. Lembro-me que, antes de 2004 (que foi o ano em que viajei muito sozinha), se me perguntassem se eu me considerava uma mulher corajosa, eu acho que diria que não. Tinha uma auto imagem de mulher que precisava ter controle sobre as coisas, que não combinava com a ideia de ‘se jogar’, de não temer. Mas aí, numa dessas viagens, eu me vi desistindo do albergue que eu tinha pré-reservado, para acompanhar um grupo de amigos que eu tinha acabado de conhecer numa viagem de ônibus e sair por Budapeste com minha mochila nas costas atrás de um local para me hospedar com eles. Eu nunca diria que essa seria minha atitude, mas foi.
Numa viagem sozinha, você é colocada diante de tantas situações – perrengues, mudanças de planos, escolhas - que podem te surpreender sobre você mesma. Viajar é um exercício maravilhoso de autoconhecimento para todos, mas acho que, para mulheres, ele pode ser especialmente libertador. Porque vivemos num país machista, porque fazemos concessões o tempo todo, porque vivem querendo controlar nossa vida, nossas escolhas e nosso corpo, porque nos fazem acreditar que não somos capazes de cuidar de nós mesmas e que ser mulher e estar sozinha é uma coisa necessariamente ruim.
Viajar sozinha te deixa alerta, responsável, confiante. Você sabe que está tudo sob sua inteira responsabilidade – então você cuida do dinheiro, da sua segurança, da sua diversão, da sua hospedagem, do seu transporte. E percebe que é absolutamente capaz de fazer tudo isso.
Viajar sozinha te conecta com a mágica do mundo: você percebe como existem pessoas doidas, interessantes, desafiadores e diferentes por aí. E quando você está sozinha, elas simplesmente aparecem e puxam papo. E te fazem mudar os planos de viagem, passar a madrugada no hall do albergue conversando, te mostram coisas incríveis sobre suas vidas e escolhas. Você se dá conta como o mundo é diverso, e como seu modo de ver as coisas e de viver é só um dentre muitos outros.
No final, você pode até descobrir que viajar acompanhada é muito melhor. Alex Supertramp nos ensinou que a felicidade só é real quando compartilhada. Mas a gente só pode descobrir isso de verdade depois de ter experimentado por conta própria. Por isso, viaje. Por você, só com você, pelo menos uma vez na vida. #viajosola
2 comentários
Adorei essa postagem!
ResponderExcluirSabe até salvei.
Obrigada por compartilhar a sua experiência e seu ponto de vista.
Não é fácil lidar com o machismo. É bom estar com a mente clara com bons argumentos assim como esta sua postagem. Não adianta brigar mesmo. Porém mostrar o que é o justo e certo, é outra história. Nem sempre é fácil demonstrar / explicar outra perspectiva, principalmente, quando foge da cultura predominante, onde o homem branco rico é o centro.
Abraço!
Leticia, obrigada por comentar! Olha, eu acho que o melhor jeito de demonstrar outra perspectiva, nesse caso, é estar presente, viajar, disputar os espaços. Por isso, acho importante que a gente viaje cada vez mais, sozinha, com amigas, como quisermos! Vamos dominar esse mundo, rs.
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